Teve lugar hoje, 9 de maio de 2025, no Palácio Presidencial Nicolau Lobato, em Díli, uma edição da Série de Palestras da Presidência, com a participação de Samdech Akka Moha Sena Padei Techo Hun Sen, atual Presidente do Senado do Reino do Camboja e antigo Primeiro-Ministro do país. A sessão foi moderada pelo Ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Agio Pereira, e decorreu sob o tema “Lições de Hun Sen – Do Genocídio e da Pobreza à Liberdade e Prosperidade”. O evento reuniu os Chefes de Estado e de Governo, membros do Executivo, representantes do corpo diplomático, académicos e estudantes, num momento de reflexão sobre os desafios da construção da paz e do desenvolvimento nacional em contextos pós-conflito.
Na abertura da sessão, o Presidente da República, José Ramos-Horta, sublinhou que “a Série de Palestras da Presidência é uma iniciativa dedicada a promover a reflexão, o diálogo aberto e a troca de ideias transformadoras”, acrescentando que estas palestras “afirmam-se como um farol de debate significativo sobre questões de importância nacional, regional e global”. Destacou ainda que “esperamos que estas conversas inspirem as atuais e futuras gerações de líderes, decisores políticos e agentes de mudança na construção do destino do nosso país”.
Ao dar as boas-vindas ao orador convidado, o Chefe de Estado manifestou o seu “profundo agradecimento” e declarou-se “profundamente honrado” com a presença de Hun Sen “e com a oportunidade de aprender com o seu percurso e liderança extraordinários — uma liderança que guiou o Camboja das cinzas do conflito para um caminho de paz, estabilidade, crescimento económico e desenvolvimento sustentável”. Sublinhou ainda que “sob a sua liderança, o Camboja tem sido também um dos mais firmes e consistentes defensores da aspiração de Timor-Leste a tornar-se membro de pleno direito da ASEAN — uma aspiração que esperamos ver concretizada ainda este ano”.
Na sua intervenção, Hun Sen traçou um percurso pessoal e político marcado por desafios extremos, desde os horrores do regime Khmer Vermelho — que vitimou mais de três milhões de cambojanos — até à liderança de um processo bem-sucedido de paz e reconstrução. “Em 1985, tornei-me Primeiro-Ministro do Camboja com apenas 32 anos”, afirmou. Dois anos depois, “em 1987, identifiquei e desenvolvi uma estratégia de cinco pontos para alcançar a paz total para o meu país, com a convicção clara de que continuar a travar a guerra apenas prolongaria indefinidamente o sofrimento do povo”.
Essa estratégia previa, entre outros pontos, a retirada das tropas vietnamitas, a realização de eleições livres com observadores internacionais, a criação de um governo de coligação neutro, o repatriamento voluntário de refugiados e a realização de uma conferência internacional com o apoio de grandes potências e países vizinhos. Deste processo emergiram os Acordos de Paz de Paris de 1991, que permitiram ao Camboja restabelecer relações com a comunidade internacional e adotar, em 1993, uma nova constituição que consagrou uma monarquia constitucional, uma democracia multipartidária e uma economia de mercado.
“Para alcançar a paz total, [Hun Sen iniciou], em 1996, a Política de Benefício Mútuo (Win-Win Policy), uma abordagem inovadora de reconciliação que permitiu integrar pacificamente os remanescentes do Khmer Vermelho sem recurso a violência. “Esta política pôs fim com sucesso a quase três décadas de guerra civil sem disparar um único tiro”, destacou, explicando que o sucesso se baseou na oferta de “Três Garantias” — proteção da vida, continuidade das funções e salvaguarda da propriedade — como incentivos à rendição voluntária e à integração nacional. “Na altura, não exigi que entregassem as armas. Continuaram a portar armas e a manter os mesmos cargos, embora sob controlo do Governo Real. Este foi o elemento-chave para construir confiança”, acrescentou.
O líder cambojano enfatizou que “a verdadeira justiça é ‘justiça para os que perderam a vida, e paz para os sobreviventes e para a sociedade como um todo’”, tendo criado o primeiro tribunal híbrido internacional como expressão dessa reconciliação. Disse ainda que a paz duradoura exige não apenas o fim do conflito, mas também “unificação nacional, reconciliação, justiça social e desenvolvimento sustentável e inclusivo”.
Hun Sen explicou o modelo de desenvolvimento económico seguido pelo Camboja, assente em três estratégias sucessivas: a Estratégia Triangular (1998–2003), centrada na pacificação, integração regional e reformas institucionais; a Estratégia Retangular (2003–2023), com foco no crescimento económico, criação de emprego, equidade e modernização das infraestruturas; e a atual Estratégia Pentagonal (2023–2028), que visa consolidar os progressos e alcançar o objetivo de tornar o Camboja um país de rendimento elevado até 2050.
Na parte final da palestra, destacou três lições fundamentais da experiência cambojana. A primeira é que “a posse do destino da nação é o bem mais valioso para preservar a unidade nacional”. A segunda lição é o valor da paz: “A guerra pode ser fácil de iniciar, mas, para acabar com a guerra, o Camboja precisou de quase 30 anos”. Por isso, defendeu que “devemos esforçar-nos por educar o povo sobre o valor da paz, porque sem paz não podemos falar com propriedade das palavras ‘direitos humanos, democracia e desenvolvimento’”. A terceira lição refere-se à importância de uma cultura de diálogo e reconciliação contínua: “Mesmo que se alcance a paz, ela não durará sem unificação nacional, reconciliação, justiça social e desenvolvimento sustentável e inclusivo”.
Concluiu a sua intervenção manifestando esperança de que a sua mensagem contribua para “uma compreensão mais profunda do valor da paz e das dificuldades associadas à sua construção e à reconciliação, bem como dos desafios em garantir uma paz duradoura, especialmente nos países em desenvolvimento”. E acrescentou: “Espero sinceramente que a experiência do Camboja na construção da paz e na edificação do Estado possa contribuir para promover uma cultura de diálogo e incentivar uma abordagem ‘Win-Win’ na resolução de conflitos prolongados, que constitui uma base essencial para alcançar soluções pacíficas e construir uma paz genuína, duradoura e inclusiva”.
Após a palestra, Hun Sen foi distinguido com o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste, a mais alta condecoração do Estado, atribuída pelo Presidente da República em reconhecimento pelos seus contributos para o reforço das relações bilaterais e pelo apoio contínuo ao processo de adesão de Timor-Leste à ASEAN. Já durante a sua intervenção, o Presidente José Ramos-Horta havia enaltecido o percurso de Hun Sen, afirmando: “estimado amigo, o seu percurso de vida — de soldado nos campos da morte ao mais longevo Chefe de Governo do Camboja e agora Presidente do Senado — representa o espírito de resiliência, de liderança e de dedicação inabalável ao serviço do seu povo”.
O Primeiro-Ministro, Kay Rala Xanana Gusmão, no seu discurso no encerramento do evento agradeceu a presença de Hun Sen e afirmou ser “uma honra proferir estas palavras de encerramento após uma palestra tão significativa.” Reconheceu a generosidade do convidado ao partilhar as suas reflexões “com tanta honestidade e clareza” e sublinhou que “as suas palavras deram-nos muito em que pensar.”
O Chefe do Governo destacou o percurso de Hun Sen que “conduziu o seu povo através de um dos períodos mais difíceis e complexos da história moderna. Partindo da devastação da guerra e do genocídio, conseguiu unificar e posteriormente reconstruir o país.” Acrescentou ainda que “reconhecemos a sua liderança com grande respeito e acolhemo-lo como um estadista sénior da nossa região.”
Referindo-se ao paralelismo entre as histórias dos dois países, lembrou que “em Timor-Leste, compreendemos bem o longo caminho da reconstrução. Sabemos também que a independência não foi o fim da nossa luta, mas sim o início do difícil trabalho de construção da paz e do Estado.” Sublinhou ainda que “o nosso caminho foi feito com muito sacrifício” e que “erguemo-nos sobre os ombros de gigantes. Líderes como Nicolau Lobato e Nino Konis Santana; e os muitos milhares de mártires timorenses que deram a vida pela nossa liberdade.”
Recordando o impacto regional dos conflitos da Guerra Fria, o Primeiro-Ministro observou que “tal como aconteceu com Timor-Leste, também o Camboja foi apanhado nesse conflito mais amplo.”
Destacou que Hun Sen “se tornou um líder da resistência que lutou para restaurar a ordem e unificar o seu país. Conduziu o seu povo através de um período sombrio; e reconstruiu uma nação desde a base.” Sublinhou que “deve orgulhar-se da história que hoje nos contou – de como recorreu a métodos pacíficos para alcançar a paz e a reconciliação nacional, após um período de tragédia, divisão e genocídio.”
Ao elogiar os resultados alcançados, referiu que o ex-Primeiro-Ministro do Camboja “consolidou a paz, reforçou a capacidade das instituições estatais, melhorou a boa governação, construiu infraestruturas nacionais e desenvolveu uma economia forte”, sublinhando que “isto não foi fácil. Exigiu uma liderança firme, um foco constante na reconciliação e a promoção de uma ‘cultura de diálogo’.”
Xanana Gusmão considerou que “a trajetória do Camboja nas últimas quatro décadas é um poderoso exemplo de como um país pode recuperar da devastação” e que “para lá de ser um Estado bem-sucedido, o Camboja é hoje um elemento ativo nos assuntos regionais e internacionais.”
Referiu-se também à cooperação bilateral, destacando que “o Camboja contribui para os debates globais com clareza e sentido de propósito” e “apoia também outros países, incluindo Timor-Leste, através de cooperação prática, nomeadamente na agricultura, educação e turismo.”
Sobre o processo de adesão de Timor-Leste à ASEAN, afirmou que “este não é apenas um objetivo de política externa. Reflete a nossa identidade, o nosso rumo e a nossa convicção de que o nosso futuro está na região a que pertencemos”, agradecendo o apoio de Hun Sen e sublinhando: “o nosso povo não esquecerá o apoio que Sua Excelência deu ao nosso país.”
Dirigindo-se à juventude presente, afirmou: “aos estudantes e futuros líderes do nosso país – encorajo-vos a refletirem profundamente sobre as lições de hoje. Liderar não é encontrar soluções perfeitas ou resultados imediatos. É saber escutar e promover o diálogo; é compreender que a mudança leva tempo e que o progresso se constrói ao longo de anos, não de dias.”
Concluiu a sua intervenção com uma mensagem de gratidão: “Sua Excelência, obrigado pela sua liderança e solidariedade. Obrigado por nos lembrar que mesmo as histórias mais difíceis podem conduzir à esperança e a um futuro melhor. E obrigado por ser um verdadeiro amigo do nosso país.”